E ASSIM FOI A ESTREIA DE GOTA D'ÁGUA NO TEATRO DA UBRO



É uma avaliação de sua performance e do elenco + Marroco. Penso que guardarás toda ela em sua carreira. Parabéns. 

Renata, eu gostaria verdadeiramente de tê-la entre meus poucos amigos no Facebook; a grande maioria de artistas.
Hoje não pudemos esperar (eu e minha companheira Meg Dutra) para cumprimentá-la pessoalmente.
Como já falei para o Marroco, (a quem também convidei para meu Facebook) eu vi a primeira encenação de A Gota D'Agua onde Bibi Ferreira (Joana) contracenava com o corretíssimo Roberto Bonfim. Embora lançada no Rio, eu a vi na temporada paulista em 1978 se não me falha a memória. Direção do criativo e perfeito Gianni Ratto, desenvolvia-se em um cenário tipicamente carioca. Medéia vivendo em Madureira. Em plena Ditadura que eu combatia nos subterrâneos do Rio.
Eu descobri hoje, surpreso, uma leitura de Marroco que retornava ao teatro grego e apresentava (nunca soube de duas atrizes a representar a Joana Passiva e a Joana Pró-ativa - uma brasileira submissa e uma grega capaz de tudo para vingar-se) uma Joana dividida e representada por duas excelentes atrizes. O uso da pintura no rosto - dramática - foi excelente. Adorei a sua abertura de cena como Joana (Medeia???) a chorar no proscênio quando da entrada do público. A abertura das portas com muita antecedência provocou uma conversa irritante entre a platéia. Quando você bateu três vezes no chão, percebi a deixa para o elenco e fui eu a fazer um "Pshiu" forte e todos se calaram. Eu já dirigi elenco e encenação teatral (inclusive um vez em Floripa lotando o CIC duas noites consecutivas com uma peça espírita. Ufa! rs rs) e sei dominar um público.rs rs
Eu não poderia deixar que a cena tão bem concebida pelo Marroco e interpretada com tanta competência por você fosse corrompida pela má educação de gente que parece estar obrigada a ir ao teatro e se sente melhor em bares com os pobres músicos a tocar para as almas.
As vozes representando os ritos acusativos da sociedade burguesa (o inconsciente coletivo) que Marroco introduziu (em lugar do para-musical que o Chico concebeu), a colocação de duas Joanas na mesma cena (ou Joana e Medéia juntas) com a troca de textos de ambas foi GENIAL! Eu vi Marroco retomar a linha da tragédia grega, com absoluta competência, inclusive criando máscaras para as duas Joanas Medeias.
Chico Buarque e Paulo Pontes - com as dicas do notável Oduvaldo Viana Filho - conceberam os diálogos todos rimados, mas já na primeira encenação essa característica perdeu-se no ritmo da encenação. Usar apenas os versos iniciais ou principais das canções foi um achado cênico. Vocês ampliaram o efeito dramático.
Eu dificilmente aplaudo de pé a um espetáculo. Reservo essa reverência aos melhores. Neste ano em Floripa apenas aplaudi de pé a Galileu Galilei com a direção excelente de minha querida amiga Carmen Fossari e seu competentíssimo grupo de teatro. Hoje aplaudi de pé ao elenco e ao trabalho de Marroco e específicamente ao seu como Joana (a mesma que a diva Bibi Ferreira interpretou).Não aplaudi de pé por cortesia, pois considero isso uma hipócrita sacanagem com os artistas. Eu aplaudi por reverência a esses jovens encantadores e ao trabalho que apresentaram.
Falhas ocorreram, muitas é claro, e esse é o charme do teatro amador. Contudo nada que comprometesse o impacto, o envolvimento da platéia e a fidelidade ao texto dramático. Mas vi o elenco se superar. Eu felizmente ainda pude cumprimentar a atriz que fez a segunda Joana e não, infelizmente, pude dizer a você o quanto eu e Meg (também artista plástica) admiramos ao seu trabalho. Desde o pranto sobre o proscênio até a cena de sedução de Jasão; uma cena bela e poética com o repúdio do homem à mulher e o ódio que esse repúdio gera. Você colocou a voz com absoluta perfeição, ora usando doçura, ora amor e finalmente pura sedução.
O gesto de desnudar os seios e oferecê-los a Jasão foi de grande beleza cênica completada com o retirar brusco da mão e a expressão de pânico no rosto feitas pelo ator e que foram perfeitas. O rosto masculino, com a pantomina perfeita, em todos os momentos nos quais Jasão contracenava com Joana. Esse ator também irá longe.Aplausos.
Contudo o ponto alto, o clímax foi a belíssima cena na qual as duas Joanas trocavam falas do texto e os personagens dançavam e a elevavam ao plano superior da Medeia gtega - a vingativa. Absolutamente sensacional essa concepção do Marroco! A comparação entre as duas Joanas Medeias era inevitável, assim como a comparação das duas atrizes. Ambas corretíssimas, empolgantes. Apenas uma sutil diferença: a colocação da voz. O hábito de falar "manezinho" por sua velocidade provocou uma redução na dramaticidade das falas da segunda Joana Medeia. Absolutamente nada que comprometesse o texto ou a mensagem, mas Joana era carioca, da periferia. E Medeia era grega. rs rs Já a sua colocação vocal é perfeita. A pantomina perfeita. Na segunda Joana a máscara compôs muito bem o ódio de mulher ao ser rejeitada. Na primeira Joana a mulher atravessou a máscara (idênticas).
Quando eu dirigi uma encenação fazia ensaios e mais ensaios nos quais os atores e atrizes tinham de contracenar falando seus textos sem abrir a boca, apenas com os olhares. Isso criava uma intimidade fortísima no elenco e nunca esqueciam uma fala.E a s expressões faciais transmitiam a essência do texto. É exatamente essa capacidade de trabalhar o texto com seu rosto e expressões: esse é o mais puro e perfeito teatro, que a televisão e o cinema jamais mostrarão. É a sedução do teatro. Minha companheira Meg é fotógrafa e ama fotografar rostos, e conhece mais de expressões faciais do que eu. Ela adorou a sua performance! Falo em nome de ambos.
Fiquei a imaginar essa encenação em um teatro com recursos profissionais, tipo TAC ou CIC e o acompanhamento musical de sopro e surdos (estes na belíssima cena na qual as duas Joanas trocam os textos e os personagens dançam). Para mim, como disse, o clímax da encenação. Essa cena me fez ser o primeiro a aplaudir de pé. Eu tenho como acervo teatral, além de ser escritor, artista plástico, dramaturgo amador e ter dirigido elencos amadores e de ter visto a interpretação da quase totalidade de todos os grandes atores, atrizes e trabalhos dos maiores encenadores no Brasil (Augusto Boal - o melhor de todos) por cinquenta anos.
Quando aplaudo de pé eu rendo homenagem à juventude, ao talento e à garra que vejo no palco. A técnica eu coloco, quando vejo os jovens e amadores, em segundo plano: está vem com o tempo, já o talento, o amor pelo palco, o ser feliz ao respirar a poeira que sobe da madeira... isso a gente nasce com essa característica. A felicidade que vi no rosto de cada um dos atores e atrizes. O silêncio da platéia ao final da encenação, como se esperasse mais (isso eu consegui obter no CIC), a emoção de vocês... essa foi a maior recompensa de todo o trabalho. Tão emocionados estavam que quase esqueceram de aplaudir ao Marroco! O grande criador! (risos). Não penso que esta foi a sua primeira apresentação como atriz profissional. Ser profissional para o teatro é um dado curricular. O mais empolgante é a diplomação pelo aplauso.
O importante é o talento que é inerente a cada um. Representar algo corriqueiro de um modo particular e único é a essência da arte. Você em uma hora e meia representou de um modo particular e único a uma simples mulher. Isso é arte e você já é uma artista diplomada pela platéia.
Eu e Meg adotamos o hábito se rastrear e assistir aos trabalhos de Marroco, do João - amigo de infância de meu filho e agora da doce Júlia. Há outra atriz no elenco que chamo carinhosamente de ruivinha a quem também invisto minha certeza de ver brilhar nos palcos. Marroco é genial! No Rio e São Paulo por quarenta anos vi poucos diretores teatrais usarem a simplicidade para ousar criar, de textos corriqueiros, algo único: arte.
Você perguntará: por que razão esse texto tão longo e cansativo. Respondo: Para você gravar como um texto teatral. Odeio aos críticos "profissionais", contudo adoro receber comentários isentos e agradecidos pelos meus trabalhos. Quando vejo jovens ingressarem na guerra que é ser artista neste mundo louco e materialista, faço exatamente o mesmo que comigo fazem.
Tude de melhor para você, Renata! São os votos do Sergio e da Meg. PS Envio para si a foto de Bibi Ferreira (a primeira Joana) com Roberto Bonfim (o Jasão) na primeira encenação que vi em Sampa.

Sergio Trouillet



Veja as fotos da estreia tiradas por Manuella Pelegrinello clicando na foto abaixo


Assista um trecho da montagem clicando na foto abaixo


Assista trechos maiores clicando na foto abaixo


Não perca as próximas apresentações
















MARROCO TOMA POSSE DA CADEIRA NÚMERO 18


DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL / 
SECCIONAL FLORIANÓPOLIS

CERIMÔNIA DE POSSE EM 5 DE NOVEMBRO DE 2013




Clique na foto abaixo para assistir a encenação de trecho de peça de Carlos Marroco